Endereços especializados mudam projeto de quadras comerciais do Plano Piloto e agradam consumidores

Entre as peculiaridades do projeto de Lúcio Costa para o Plano Piloto de Brasília estava a ideia de que cada entrequadra deveria contar com um comércio local, que satisfizesse as necessidades corriqueiras daqueles moradores. Entretanto, a apropriação da cidade impôs suas próprias necessidades, algumas de ordem econômica, que acabaram transformando alguns endereços e verdadeiras quadras comerciais especializadas, como as conhecidas ruas das Farmácias, da Informática e das Elétricas.

Segundo a professora Maria Fernanda Derntl, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, a lógica das quadras comerciais era baseada no fomento à cooperação e à convivência entre grupos sociais. “Deveria ser um comércio diversificado para que os moradores pudessem ir a pé”, explica. Com o tempo, os locais que reúnem estabelecimentos concorrentes do mesmo segmento foram incorporados pela vizinhança e acabaram cativando os consumidores de diferentes regiões de Brasília que conseguiam concentrar a pesquisa de preços em um mesmo lugar.

A conhecida Rua das Farmácias, localizada na 102 Sul, acabou passando pelo processo de mudança de perfil graças à proximidade do Hospital de Base e do Hospital Sarah Kubitschek. A ideia de reunir vendedores de fármacos não foi exatamente um movimento orquestrado, mas a identificação de potencial de serviço para região que foi atraindo os comerciantes a partir da década de 1980. A versão é corroborada pelo fundador da Farmacotécnica, Rogério Tokarski, 73 anos. Ele conta que o estabelecimento chegou ao endereço em 1989 e que a concorrência nunca atrapalhou o negócio, ao contrário, acabavam servindo de chamariz para a clientela. “As empresas ao redor sempre indicam a nossa farmácia para manipulação, praticando a política da boa vizinhança”, garante.

A RD-Drogasil, inaugurada em 2008, teve como primeiro endereço na capital federal justamente a Rua das Farmácias. De lá para cá, em meio a um plano de expansão da rede, já são 82 filiais em Brasília. A diretora regional Vivian Vizzccaro Novaretti afirma que, apesar da capilaridade, a busca da empresa é por destaque entre as concorrentes. “Nossas farmácias são um lugar de cuidado com a saúde integral”, destaca.

A professora aposentada, Margarete Magalhães, 57 anos, costuma examinar os valores dos medicamentos on-line, mas não abre mão de uma conferida presencial dos produtos na Rua das Farmácias. Com uma diversidade maior de lojas à disposição, Margarete conta que os valores na entrequadra são mais vantajosos do que onde a ex-professora mora, em Taguatinga.

Com grande variedade de remédios, ela diz que encontra com facilidade o que precisa. “Encontrei o medicamento da minha mãe em uma farmácia que eu nem dava muita bola, mas foi o único lugar em que achei. Eles conseguiram trazer pra mim de uma outra unidade. Valeu a pena”, diz a professora aposentada.

Convivência harmônica

No comércio local 109/110 da Asa Sul está localizada outra quadra especializada, a Rua das Elétricas. Lá, consumidores podem encontrar desde materiais básicos, como fios e lâmpadas, até projetos de iluminação. A arquiteta Sandra Barbato, 62 anos, iniciou a vida profissional na TC iluminação, loja pertence à família fundada há 40 anos. Para Sandra, apesar da concorrência, o clima entre os lojistas é muito amistoso. “Estamos acostumados. Um troca com outro. Se está faltando uma lâmpada para um cliente, a gente vai na loja ao lado e pega. A estratégia para nos destacarmos foi a especialização em projetos de iluminação”, explica a arquiteta.

A proximidade entre as lojas é benéfica tanto para os vendedores, quanto para os clientes. O professor de educação física Satir Lara Júnior, 47, aproveita a ida ao endereço para comparar os preços. “Aqui você pesquisa com a vantagem. Por exemplo, aqui se você tiver que comprar, tem várias lojas. Estou, por exemplo, fazendo uma pesquisa em todas, antes de decidir” conta Satir.

Na década de 1990, a CLN 207/208 também passou pela transição e começou a receber as primeiras lojas de informática. Hilton Dutra, 62 anos, proprietário da Dutra Informática, inaugurou a loja em dezembro de 1999 e, desde então, segue firme no local. Ele lembra que foi atraído para o endereço porque já havia outras lojas do mesmo ramo. Assim, a clientela era garantida. “A concorrência é a melhor coisa do mundo. Porque se eu e meu vizinhos vendemos os mesmos produtos, quem vai comprar pode escolher”, afirma.

Outra forma de se destacar da concorrência foi a estratégia adotada por Severino Luiz da Silva, 61 anos, especialista em recuperação de dados. A loja existe em outros dois locais da cidade e, apesar de prestar serviços ligados à informática, os outros lojistas também são clientes, “prestamos um serviço muito especializado, por isso não temos concorrência”, enfatiza o perito.

O professor Luiz Alberto Lima, 41 anos, é um frequentador da Rua da Informática. Em sua última visita, buscava uma peça de reparo para a impressora da escola, já que não encontrou on-line. “Comprar pela internet não vale a pena, tem essa questão de transporte, leva tempo fazer a entrega. Então, prefiro vir em ruas como essa que são específicas para uma determinada área do comércio, porque aí a livre concorrência faz com que você possa pesquisar, encontrar algo com um preço mais acessível”, justifica Luiz Alberto.