Cabe à família e à escola ensinar as crianças a respeitarem seu próprio tempo, seus limites e seus processos de desenvolvimento

A sociedade em que vivemos mergulha em um ritmo cada dia mais acelerado, no qual buscamos a máxima otimização do nosso tempo e confundimos produtividade e rendimento com o nosso valor como seres humanos. Aprendemos que tudo é para ontem e quem atinge seus objetivos primeiro é quem tem mais sucesso. Contudo, essa corrida por formações e especializações como fórmula para garantir qualidade de vida tem gerado o efeito contrário, trazendo o stress do trabalho para as outras áreas da nossa vida e pior: projetando essa ansiedade no ambiente familiar.

“Sabemos que ansiedade afeta não só adultos, mas também crianças e adolescentes. Essa necessidade de controlar emoções e situações muitas vezes prejudica de forma agressiva nossa mente”, explica Mariana Pinto, 36, psicóloga clínica de crianças e adolescentes.

A necessidade de superar os desafios da vida sempre no menor tempo possível e com o máximo de desempenho faz com que a mente esteja sempre pensando no futuro. “Cobramos das crianças e adolescentes, uma maturidade que muitas vezes nem nós adultos temos. Perdemos o foco no agora e buscamos sempre viver o que ainda não chegou. Queremos acelerar o tempo, e depois suplicamos para que ele pare, confuso demais”, completa.

O cenário não é favorável e garantir uma melhora para as próximas gerações exige um cuidado redobrado com a maneira que incentivamos as crianças hoje. “Temos que ser mais do que espelhos para nossas crianças. Que elas enxerguem em nós, agentes de mudança”, aponta Mariana. Trabalhar com elas o respeito ao próprio tempo, o respeito às diferenças, a consciência das próprias emoções, a compreensão das causas e consequências do próprio comportamento e o enxergar no outro uma chance de aprendizado “são estratégias positivas para desacelerar 1% a cada dia”, conta a psicóloga.

E apesar de ser muito importante que a família se atente a essas medidas, a escola também precisa assumir essa responsabilidade, afinal, é lá que os pequenos passam boa parte de seu tempo. A filha de Mariana, Nina, tem 2 anos de idade e frequenta a Escola Canarinho, escolhida pela preocupação com o respeito ao desenvolvimento individual das crianças.

“É claro que observamos o desenvolvimento dos alunos e trabalhamos com algumas margens de desenvolvimento para que possamos cuidar, estimular e avaliar as crianças, garantindo o seu crescimento. Assim, caso haja alguma necessidade peculiar, estaremos prontos a atender. Mas cada criança é um universo único, com contexto familiar, alimentação, histórico e especificidades variadas. Logo, é injusto exigir que elas cresçam do mesmo jeito e ao mesmo tempo.”, revela a diretora pedagógica Carol Cianni.

A importância de se respeitar o processo de cada indivíduo desde a primeira infância é fazer com que ela consolide adequadamente cada uma das etapas de seu desenvolvimento, construindo uma base sólida para a segurança e a maturidade na vida adulta. E nesse ponto, cada detalhe importa, mesmo que a pessoa não venha a lembrar depois de grande. “Tudo que vivemos desde o nascimento, pessoas com quem convivemos, situações que ocorreram e sentimentos que vieram à tona impactam e influenciam em quem somos e na forma que nos relacionamos na vida adulta.

Não necessariamente eu preciso me lembrar de algum fato para que ele tenha impacto na minha vida. Aliás, muitas coisas são esquecidas como mecanismo de defesa. Portanto, tudo o que é ofertado em um ambiente escolar precisa ser extremamente pensado e feito com cautela e sabedoria.”, conta Carol.

Ensinar que cada ser humano é único, respeitando tanto suas potencialidades quanto as suas limitações, é fazer com que os pequenos se respeitem e se sintam especiais. “Quando a gente diz para uma criança que ela precisa ser como os outros, que ela precisa se desenvolver como os outros, ela passa a não mais ter respeito pelo seu próprio ritmo, pelo seu próprio tempo, pelas suas próprias características e isso gera uma não-aceitação que pode acarretar a sensação de vazio interno”, explica a diretora.

“O que tem acontecido hoje em dia é que todo mundo está tentando ser um pouco todo mundo, a gente tem vivido de forma muito padronizada e pouco humana. Os padrões impostos não são naturais e isso frustra a todos. Basta abrir uma rede social e verificar se você está nos padrões da maioria.”, acrescenta.

Ao incentivar a aceleração dos desafios infantis, como o caminhar, a alfabetização e a retirada de fraldas, as etapas do processo de desenvolvimento são cumpridas de forma não natural, não fluida. Isso vai gerando lacunas que impedem a estruturação do ser de forma consolidada, segura, e assim o processo de maturação é negligenciado. “Na verdade, o ser humano é adaptável.

Se eu fico cobrando que essa criança me oferte mais, pode ser que ela, à sua maneira, tente se adequar para suprir as expectativas. Isso vai gerando insegurança, porque ela passa a ofertar algo do qual ela não está segura e nem pronta. O resultado não partiu de dentro para fora. E aí, a criança entende que é necessário suprir as demandas externas e pode passar a não se ouvir, não se respeitar e viver sempre atendendo ao que a pedem”, completa.

No Canarinho, os alunos são ensinados que está tudo bem ser diferente e que isso é o que as torna únicas e especiais. “Isso é muito preciso, porque faz com que cada um realmente se sinta aceito da forma como é, não só pela sociedade, mas por si próprio”, declara Carol. Os educadores da escola possuem uma formação continuada para ter um embasamento cada vez maior no que diz respeito ao desenvolvimento de cada etapa, assim como propor atividades e lidar com os desafios de cada uma delas.

Além disso, são incentivados pela própria instituição, com palestras, cursos e eventos, a se desenvolver pessoalmente e a ter uma conduta ética e respeitosa consigo mesmos, o que faz toda a diferença na orientação das crianças, uma vez que elas aprendem principalmente através de exemplos.

“Eu acho muito interessante que o Canarinho tenha isso como prioridade. A gente vive direcionando à criança um foco para o que ela ainda não faz, o que ainda não consegue, o que ela tem que alcançar, o que tem que fazer… E a gente não olha para ela no presente: para o que ela já é, para o que ela já consegue, para o que ela já conquistou.”

Rebeca Rios Duarte, 44, pedagoga e mãe do João, aluno do Canarinho.

De acordo com a especialista, deve-se incentivar as potencialidades, mas respeitando o ritmo, o corpo e a fase neurológica de cada um. “É preciso mostrar que ela tem qualidades, fazer com que ela acredite nela mesma, é assim que a gente desenvolve autoestima, criatividade, sentimento de competência e força de vontade”, completa.

E claro, em casa também se deve incentivar a mudança de hábitos, para proporcionar um ambiente mais saudável para toda a família. “Essa mania da otimização do tempo, ouvir podcast tomando banho, lavar louça enquanto ouve uma palestra, almoçar enquanto faz reunião, isso tudo gera no nosso corpo uma tensão e uma ansiedade. E quando eu estou vivendo tantos processos ansiosos, “tudo junto, ao mesmo tempo, agora” (o tal hábito de acharmos bom ser multitarefa), acabo direcionando para o meu filho que ele faça tudo junto ao mesmo tempo e agora também, inclusive no desenvolvimento”, esclarece a diretora Carol.

E a dica é desacelerar tudo o que for possível: desde áudios no Whatsapp até a quantidade de tarefas na rotina, além de fazer uma coisa de cada vez com plena atenção e buscar atividades que tragam a consciência para o momento presente, como esportes, yoga e meditação. “Basta olhar para a natureza, ela tem seu próprio tempo e nós fazemos parte dela, portanto, precisamos nos respeitar ”, conclui.