Com ajuda de projetos sociais, pessoas de diversos países encontram em Brasília oportunidades para trabalhar e construir uma nova vida
Brasília se tornou, para muitos imigrantes, um lugar de recomeço. Desde 1961, de acordo com levantamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública, foram reconhecidas cerca de 60 mil pessoas como refugiadas no país. Somente em 2020, foram mais de 26 mil, sendo que 3.331 dos pedidos protocolados eram para o Distrito Federal.
No entanto, a mudança de vida e o choque cultural são desafios para os recém-chegados, que enfrentam, também, a dificuldade de comunicação em um novo idioma. Por isso, diversos grupos e iniciativas sociais se unem para auxiliar essa população.
Um desses projetos é o Guaramo Solidário, coordenado por Damelis Castillo, artista e professora de espanhol. A venezuelana já tem uma história de apego com a capital do país e não nega: “eu nasci em Caracas, mas minha outra cidade do coração é Brasília”. Entre idas e vindas, Damelis visitou diversas cidades do mundo e, há três anos, voltou para o Brasil e mora no Guará. Inicialmente, ela fundou o Guaramo: Arte do Mundo, com objetivo de ensinar espanhol e dar aulas de canto. Com o começo da crise sanitária causada pelo novo coronavírus, Damelis começou a ser procurada por instituições e imigrantes que precisavam de ajuda.
Assim nasceu o projeto Guaramo Solidário. “Guaramo quer dizer fé, força de vontade e esperança. O nosso objetivo é acolher essas pessoas. O projeto começou sem muitas expectativas. Grupos me procuravam e falavam que tinham cestas básicas para doar, enquanto os recém-chegados me procuravam por ajuda”. Como não tem carro, Damelis revela que contou com a ajuda de amigos para dar prosseguimento ao projeto e entregar as cestas básicas e doações recebidas.
Atualmente, a rede Guaramo Solidário apoia cerca de 270 famílias. O primeiro passo quando os imigrantes chegam à capital federal é o de orientação sobre as diferenças culturais. “Existem muitas palavras que no espanhol é algo comum e em português é um xingamento, assim como expressões que em português são um palavrão para nós. A primeira coisa que o Guaramo faz é apresentar uma iniciação à língua, valores e cultura brasileira, explica.
Para Damelis, o que mais a alegra é a rede de apoio que se formou a partir de sua iniciativa. “Eles fazem diversos grupos, e quem já foi ajudado pelo Guaramo começa a ajudar os recém-chegados. Nesta semana, uma família virá buscar roupas para o frio, mas a mãe já separou para doar peças que não cabem mais nos filhos pequenos. Ao mesmo tempo em que eles são ajudados, eles se preocupam em ajudar como podem”, destaca.
Acolhimento
Uma das participantes do projeto Guaramo é a professora Cássia Neves, 47 anos, moradora do Guará 2. Cássia é uma das principais ajudantes de Damelis no momento de entrega das cestas. “Quando ela (Damelis) ligou me perguntando se eu poderia ajudar a entregar os kits e os alimentos, eu aceitei na hora. Para mim, é muito claro que todos nós fomos ajudados por alguém um dia, e é importante retribuir”, explica.
A solidariedade é notada pelos venezuelanos, que confessam que o Brasil é um dos países mais receptivos com imigrantes. Carlos Mendina, 33 anos e administrador, chegou ao país há nove meses. “Aqui não sentimos nada de xenofobia, somos bem acolhidos. Sobre os documentos, em outros países, precisamos pagar altas taxas, mas aqui a gente consegue de forma mais simples”, explica.
Carlos, devido ao tempo que está no Brasil, já consegue entender com maior facilidade o português. No entanto, para o motorista Oscar Itiago, 32, o idioma ainda é um desafio. “Cheguei aqui, em Brasília, há uma semana”, explica, em espanhol.
O casal July Bandes, 55, e Oscar Enrique Dum, 58, também fez a jornada de travessia entre os diferentes países, culturas e línguas. Os dois chegaram ao Brasil há um ano e meio, foram ajudados pelo Guaramo e, hoje, fazem parte da rede de apoio do movimento. Eles se organizam, em diversos grupos em WhatsApp, por exemplo, para divulgar novas informações e oportunidades de empregos. Atualmente, para sobreviver, Oscar trabalha como entregador de aplicativo, mas procura por um trabalho de carteira assinada.
O emprego é a maior dificuldade a ser vencida pelos imigrantes. Muitos possuem formação profissional e ensino superior, mas cabe a cada conselho profissional decidir se o diploma dos países nativos será válido ou não. July, por exemplo, é analista de custos, e Oscar, técnico em informática. Apesar desse desafio, o casal conseguiu um curso no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).
July destaca que os imigrantes são muito gratos ao povo brasileiro. “Eles nos recebem muito bem”, ressalta. Os venezuelanos também são receptivos e alegres. Para a equipe do Correio, o grupo ofereceu o famoso papelón con limón, bebida típica da venezuela feita com rapadura e limão. Ao fim da roda de conversa, o encontro terminou com música e dança.
Com o instrumento de cuatro cuerdas em mãos, Damelis provou o abraço cultural entre Brasil e Venezuela. Primeiro, cantou a música Caramba, do país nativo, e arrematou com Asa Branca, de Luíz Gonzaga.
Espírito para empreender
O chef nigeriano Chidera Ifeany, 32 anos, chegou a Brasília há mais de 10 anos para estudar engenharia na Universidade de Brasília (UnB). O sonho dele era abrir, na capital federal, um restaurante de origens africanas. “Depois da Copa do Mundo eu queria abrir um restaurante, e meus amigos não me apoiaram, falavam que não ia dar certo, porque, às vezes, os brasileiros não iriam gostar da nossa comida.
Eu fiquei com medo e, naquele momento, não abri. Mas depois das Olimpíadas de 2016 decidi seguir o meu sonho”, ressalta. Em 2017, ele abriu o Simbaz, na Asa Sul. A casa reúne pratos de vários países do continente africano.
Para o cubano Miguel Padilla, de 38 anos, não houve dificuldades em empreender no Brasil, pois seu pai já morava no país, e ele veio visitá-lo em outubro de 2011. Depois de trabalhar em restaurantes renomados da capital, Padilla abriu seu próprio negócio, em 2017, na Vila Planalto.
O cubano havia se encantado pela culinária brasileira, mas ele não se contentou, e, ao reparar que não havia nenhum restaurante de origem cubana em Brasília, abriu o Bodega de La Habana. “Percebi que Cuba era praticamente uma curiosidade de muitos, e havia pouca ou nenhuma informação sobre a gastronomia de lá. Esse foi o maior incentivo para abrir meu restaurante”, explica.
A diretora do Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH), Rosita Milesi, conta que o órgão apoia os imigrantes e refugiados na área do empreendedorismo. “Há uma dedicação a esta área, com orientações e apoio financeiro, por meio de parcerias, para que pessoas com espírito empreendedor possam potencializar essa capacidade”, destaca Milesi.
Embora tenha limitações financeiras, o IMDH apoia muitos projetos de geração autônoma de renda, com o chamado “capital semente”, e orientando previamente as pessoas a fazerem cursos preparatórios, abertura de MEI e avaliarem as condições do empreendimento que desejam implementar.
Como ajudar
WhatsApp: 61 9 9128-5800
Contrate serviços de cursos de línguas com os professores nativos
– Doe alimentos, agasalhos, kits de higiene e limpeza, cestas de gestantes, roupas usadas limpas, lençóis e cobertores;
– Acompanhe uma família recém-chegada dando orientações sobre a realidade cultural de Brasília.