Neste ano de pandemia, muitos dos 235 mil brasilienses que enfrentaram a covid-19 encararam diferentes reflexões sobre a vida antes de se recuperar da doença. O Correio apresenta histórias de algumas das pessoas que, agora, carregam consigo a marca da superação
Vitalidade na adversidade
Ao longo de toda a pandemia, especialistas ressaltam que o fator da idade é um possível agravante para a covid-19. Mas Derblay Galvão contrariou as estatísticas, aos 92 anos. O morador da Asa Sul carrega uma história de grandes trabalhos na área pedagógica da capital federal, com passagens pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), onde chegou a ser diretor, e pela Subsecretaria de Desenvolvimento das Instituições de Ensino Superior, da qual foi subsecretário.
Apesar de lidar com a infecção pelo novo coronavírus na idade que tem, Derblay não se diz cansado. Em julho, ele chegou a ser internado na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Santa Lúcia. “Foi um choque muito grande, porque eu saía pouco de casa, só ia ao mercado e à farmácia. Sempre tive uma vida muito cuidadosa. Foi até uma surpresa me contaminar. Depois, levaram-me para a UTI, mas fiquei tranquilo, (isso) não me amoleceu em nada”, relata.
Derblay ficou mais de uma semana com a respiração debilitada. Precisou de oxigênio, mas não chegou a ser intubado. Com cinco dias, passou para a UTI semintensiva e, após 10, recebeu alta médica, para continuar a recuperação em casa. A saída teve festa da equipe de saúde que o acompanhou.
Enfermeiros, fisioterapeutas e médicos fizeram um corredor para se despedir, com aplausos, do paciente que venceu a covid-19. Agora, no Natal, ele conta que se sente com corpo e consciência renovados. “Hoje, estou bem de saúde, me alimentando e dormindo, bem da cabeça. Sempre fica uma ‘sequelazinha’, mas faço fisioterapia e me cuido. Se pudesse fazer um pedido natalino, pediria logo a nossa vacina. Tem muita gente que não se cuida, sai para a rua e leva o vírus para casa. Este ano, encaramos um problema coletivo, não individual”, observa Derblay.
Valor ao tempo
As incertezas de como seria chegar ao fim deste ano eram ainda maiores para quem se contaminou com a covid-19 quando surgiam os primeiros no DF. E o medo de um vírus até então pouco conhecido afetou, também, a comunidade médica. Salua Hassan, 30 anos, trabalha como clínica geral e recebeu o resultado positivo em março. “Cheguei a ter sintomas como falta de ar e dor no peito. Fui ao hospital duas vezes, fiz tomografias, e os exames mostraram alteração laboratorial. Mas não precisei ser internada”, diz. “A gente fica com aquela insegurança, até porque foi no início. Não havia tanto conhecimento sobre a doença. Fiquei um pouco confusa. Do terceiro ao quinto dia foi o pior período. Andava um pouco e sentia um grande cansaço, até que fui apresentando melhora gradual”, detalha Salua.
Em meio aos sentimentos negativos de ter de lidar com uma pandemia e estar infectada, sobressaíram-se qualidades básicas necessárias a um profissional da saúde, como a empatia. “Nesse estado, a gente pensa muito no outro. Moro com uma amiga e me preocupei com ela. Fiquei trancada no quarto, sem qualquer tipo de contato. Quando voltei ao trabalho, enfrentávamos a situação de pais e mães de conhecidos que morriam; de pessoas que precisavam de nosso apoio; da demanda por substituições e remanejamentos de escalas”, afirma.
Do período da contaminação de Salua até este Natal, foram nove meses de trabalho intenso durante a crise sanitária. Mesmo assim, o cansaço não impediu reflexões positivas por parte da médica. “Acho que foi um ano em que aprendemos a dar mais valor ao tempo disponível para passar com quem amamos. Às vezes, a gente fica adiando. Temos oportunidades de encontro, temos saúde, mas não usamos essa disponibilidade. Neste período, adotei um cachorrinho, liguei muito para minha família — que está no Tocantins — e quero fechar o ano com uma ceia em casa, com minha amiga, fazendo uma chamada de vídeo com minha mãe e meu irmão. Quero aproveitar o tempo com quem amo”, completa a médica.