Autoridades policiais alertam contra perigos na rede e especialistas dão dicas de como garantir o controle do que jovens e crianças fazem no mundo virtual
Os gráficos coloridos e os sons chamativos facilmente captam a atenção para os jogos on-line. Entretanto, mais do que entretenimento, esse acesso pode conter mistérios e armadilhas para a segurança dos usuários, principalmente para as crianças.
Recentemente, a polícia internacional emitiu um alerta para pais e responsáveis a respeito do jogo Poppy Playtime, febre entre o público infanto-juvenil. O desafio, que contém personagens com aparência assustadora, estaria causando pesadelos em crianças. A trilha sonora possui canções com frases sombrias de versos que falam de “abraçar até matar” e dar “o último suspiro”. No Distrito Federal, o alerta não passou despercebido.
Mãe de dois filhos, de 6 e 4 anos, Letícia Vieira, 36 anos, conta que se preocupa com o tempo de uso de celulares e tablets pelas crianças. “Faço o controle com horários específicos para eles”, afirma a administradora, revelando que não conhece o jogo, mas que fica assustada com os riscos expostos na internet. “Eu acompanho o que eles estão jogando e assistindo, mas o mundo digital é muito vasto e cheio de riscos. É assustador saber que existe crueldade em coisas simples, como joguinhos assim”, diz a moradora do Guará.
Lançado no ano passado pela MOB Games, o jogo aparece nas plataformas digitais para download de aplicativos e games. No descritivo do produto, a recomendação de uso é para maiores de 12 anos. O Poppy Playtime é um jogo de terror e de sobrevivência que se passa dentro de uma fábrica de brinquedos abandonada, e os jogadores precisam avançar nas fases resolvendo quebra-cabeças, se desvencilhando dos perigos.
Exposição excessiva às telas e uso sem supervisão devem ser evitados
O monstro assustador do game e primeiro inimigo a ser enfrentado é chamado de Huggy Wuggy, personagem que tem causado controvérsias em outros países. Até o momento, em Brasília, a Polícia Civil não emitiu nenhum alerta a respeito do jogo, mesmo assim, especialistas reforçam a importância do acompanhamento parental.
Pesquisador do papel da tecnologia na cognição humana e professor na Universidade de Brasília, Raphael Cardoso ressalta que as famílias precisam conversar sobre o uso de plataformas digitais em casa. O especialista avalia que as plataformas digitais podem ser úteis para várias atividades realizadas por crianças e adolescentes, mas o uso inadequado pode gerar problemas, e os pais devem ficar atentos.
Cardoso recomenda que a exposição a jogos violentos e assustadores seja evitada. “As crianças tendem a imitar comportamentos de personagens que assistem, mesmo na forma de brincadeira. Cenas bizarras e assustadoras podem ter efeitos negativos, por exemplo, na hora de dormir. Quando uma criança assiste a uma cena forte, é comum que ela reproduza ou fale demasiadamente sobre a cena.
Cabem aos pais ajudá-la na elaboração sobre a cena”, destaca, pontuando que outro efeito possível de jogos violentos é dessensibilizar o jogador à violência. “Isso tem um efeito muito negativo para os jovens”, completa. Ele também adverte para possíveis prejuízos no desenvolvimento cognitivo. O pesquisador avalia que a habilidade de jogar envolve uma série de funções cognitivas e é razoável pensar que games possam funcionar como treino, mas com recortes etários específicos.
No entanto, por questões comerciais, as empresas lançam opções que buscam cativar um público diversificado. “Logo, acho melhor que pais e mães estimulem a vida social, educacional e cultural para potencializar o desenvolvimento de suas crianças e adolescentes”, recomenda.
Controle e cuidados
Doutor em educação e professor da Universidade de Brasília, Gilberto Lacerda destaca a existência de dois cenários para garantir a segurança das crianças e dos adolescentes no ambiente virtual: o ideal e o real. No primeiro, seria importante que os pais tivessem um conhecimento amplo para que pudessem verificar o que os filhos estão fazendo na internet. “O ideal seria essa aproximação e essa abertura com os seus filhos, porque não é simplesmente uma questão de intromissão na vida digital da criança e do adolescente, mas é também conhecimento para que ele possa argumentar, debater ou coibir o uso do que é indevido”, ressalta o especialista.
O professor detalha que, do ponto de vista ideal, os pais devem identificar sites e jogos confiáveis, além de conhecer e verificar se os conteúdos apresentados nesses games são apropriados e têm linguagem adequada para a idade da criança e para a autonomia que o jovem tem. Na situação real, muitos pais não sabem de tudo o que está ocorrendo no amplo e vasto mundo virtual. “As pessoas não têm um percurso na internet, nem conhecimento para fazer isso. Isso não acontece dessa forma, porque as pessoas não têm capacidade cognitiva e tempo pra fazer tudo”, avalia.
Uma boa opção para auxiliar os pais a assegurar os filhos é o chamado controle parental. Essa ferramenta é um instrumento que permite que os adultos protejam a privacidade dos menores e a segurança on-line de acordo com a prévia definição de permissões e bloqueios de acesso. Através dessa opção, é possível selecionar quais conteúdos as crianças podem ter acesso, baseado nas faixas etárias atribuídas pela classificação indicativa, além de definir o tempo que podem jogar, monitorar gastos on-line e controlar o acesso à navegação na internet e em chats.
Violência
Para Lacerda, um dos pontos mais preocupantes da exposição excessiva de crianças e jovens ao mundo virtual é o acirramento de comportamentos e discursos de ódio. “Muitos jogos e recursos disponíveis para eles são baseados em situações de violência, como tiroteios e perseguição. Quando o indivíduo fica excessivamente exposto, ele acaba ficando suscetível”, comenta o professor, lembrando também dos problemas relacionados às conversas on-line, que trazem riscos à segurança, pois não se pode ter certeza de quem está do outro lado.
Segundo o professor, a maneira mais segura de navegar na internet, que vale para pessoas de todas as idades, é por meio de uma educação básica de qualidade e que permita ao indivíduo entender, discernir e julgar por si mesmo. “A qualidade da educação básica implica na qualidade dos navegantes na internet”, conclui Lacerda.